janeiro 26, 2005

os escritores da noite

janeiro 24, 2005

o poder de um rasto em branco


haverá sempre momentos

que nos transformam
e nos fazem ter a desesperada certeza.

e do poder puro
do que permites esquecer
atrevo-me a guardar de novo.

descreve-se assim
a nossa eternidade

janeiro 21, 2005

ao criador da inspiração


homenageio hoje Jorge Vale, fundador da Casa da Comida que faleceu na passada quarta-feira, e que tinha a grande qualidade de criar a sua cozinha sempre inspirada nas tradições portuguesas.
quem já tive o privilégio de receber fica a ter conhecimento que o livro da sua autoria Quatro Estações na Casa da Comida são a base de inspiração da curiosa criadora no acolhimento a viajantes.

janeiro 20, 2005

um passeio triste



a ilusão dos centros comerciais que tanto têm destruído o comércio ao ar puro, entra inevitavelmente pela nossa vida sem nos apercebermos.

no tempo em que gostava de rebuçados, dei muitos passeios com a minha mãe no antigo Chiado. O Alfarrabista do meu pai era e ainda é na Rua do Alecrim e por isso as ruas do Chiado sempre foram a minha segunda casa.

lembro-me da beleza indescritível da perfumaria da Moda e dos milhares de frascos de cores diferentes.

lembro-me da montra Pastelaria Ferrari com bolachas de buraco no meio com doce de framboesa.

lembro-me dos vidrinhos com miçangas da Casa Batalha toda forrada a Madeira e que tanto me preenchiam os meus sonhos de menina princesa.

lembro-me da Loja de Brinquedos da Benard onde passei tantas tardes a brincar.

lembro-me do elegante e simpático Senhor do ainda vivo elevador do Ramiro Leão cheio de senhoras de ancas largas que compravam cremes a kilo.

lembro-me principalmente de ser tão agradável e tão único.

agradeço aos meus pais todas essas tardes possíveis e manhãs de sábado vivido nesse Chiado tão elegante e que guardo com tanto carinho nas minhas memórias de criança.

por isso atrevo-me a partilhar "um passeio triste pelas lusitanas catedrais do consumo" por Manuel Graça Dias

"Uma noite destas, analisando com algum detalhe um mapa turístico esquemático, de 1950 ou de 1960, de uma cidade das ex-colónias, pude ler, a dado momento, impresso a negro, em letras grossas: «Centro comercial». A designação atravessava uma parte da planta preenchida por ruas miúdas em quase quadrícula e reportava-se à noção genérica de zona comercial ou «baixa», como também eram chamadas estas áreas na época (com as Ruas 31 de Janeiro ou Stª Catarina, no Porto, a tornarem absurda a excessiva vulgarização da palavra).

Hoje, o conceito deslocou-se um bocado e é praticamente inconcebível falarmos em centro comercial sem pensarmos logo numa estrutura fechada, climatizada, artificialmente iluminada, cheia de lojas, músicas e desafios supostamente consumistas, tendo sobrado um nome entre o pobre e o semi-saudosista para essas outras zonas encravadas nas cidades históricas, agora já só sempre decadentes: «comércio tradicional».

Os grandes centros comerciais ou «shopping centers», como gostam de lhes chamar, para poderem existir, dada a sua enorme necessidade de espaço, instalam-se quase sempre nas periferias das cidades onde os terrenos serão mais baratos e os acessos viários «facilitados».

Dirigindo-se à classe média-baixa motorizada, acampam ao lado das grandes auto-estradas urbanas (onde o barulho talvez já seja ensurdecedor para a especulação continuar a apostar em habitação) e assediam as autarquias, que com enlevo os disputam, com a promessa de melhoramentos automobilísticos de toda a espécie: túneis directos às suas caves de estacionamento, passagens aéreas pedonais para levar e trazer clientes entre as duas margens das vias rápidas, ramais paralelos, às vezes inteiras faixas novas com que põem a cidade ao seu serviço, fingindo beneficiá-la.

Os ditos «shoppings», depois de se posicionarem onde os compradores possam rapidamente chegar de carro para confortavelmente transportarem, eles próprios, o sem-número de inutilidades a que não saberão resistir, tentam estabelecer, depois, no seu interior, uma falsa e pouco contrastada imitação de uma «cidade-ideal».

A «cidade-ideal», para os cérebros inventores destas «máquinas de consumo», cuja imaginação não vai mais longe do que um passeio à Disneylândia ou aos parques temáticos dos arredores de Barcelona, é uma cidade já só de peões (primeira contradição), com corredores a fazerem de ruas, à volta dos quais se posicionam as lojas da globalização, por dentro de um enorme contentor ou barracão mais ou menos «festivo», de clima condicionado e permanentemente vigiado.

É o que Paul Goldberger (num artigo de 1996, intitulado «The Rise of the Private City») chama «ambientes urbanóides»: ambientes controlados, fechados e fortemente privados que pretendem fazer passar-se por espaços públicos. A cidade verdadeira, o verdadeiro «espaço público», é um território de grande liberdade e de imprevisto, de alguma dureza às vezes, de contrastes (de clima e de cheiros), de confrontos entre raças e classes, géneros e idades.

A cidade do consumo não. O «shopping» começa por controlar as entradas e expulsar os indesejáveis. Jamais veremos, num centro comercial, grupos de garotos pretos ranhosos em correrias, por exemplo, ou ciganas a vender atoalhados, um carrinho de castanhas a sério, os gritos dos feirantes. O sol que entra pelas clarabóias pouco nos aquece, não bafejamos o ar frio em frente no Inverno, não fugimos à chuva em busca de um café. Não fotografaremos nunca alguma coisa que nos agrade (primeiro, porque nada nos agradará e, depois, porque são proibidas (!) as fotografias num «centro comercial»).

A própria alegria é formatada, entre os filmes americanos a cheirar a pipocas e as tecnológicas «máquinas de diversão» de inspiração belicista, entre os brinquedos convencionados («barbies» e consolas) e as sucessivas invenções dos vendedores, sem nenhuma espécie de ligação ao conjunto das festividades mais ou menos tradicionais (Dias dos Pais e das Mães, de São Valentim, de Bruxas e Halloweens, de Reis).

A cidade do consumo é também higiénica: batalhões de limpeza mantém irrepreensíveis os mármores em mosaicos dos seus pavimentos, os vidros transparentes das suas montras. Lá dentro, o tempo não passa; não se envelhece, não se adoece, não se espirra, não se cresce, não subsistem crises. Vigiados, protegidos, afastados dos pobres, dos drogados e dos delinquentes, poderemos viver o sonho de sermos ricos, de consumirmos, de sermos materialmente muito felizes. A «cidade dentro da cidade», os seus vigilantes, as suas câmaras tomam conta de nós.

As feiras ao ar livre talvez sejam os respeitáveis antepassados das zonas comerciais urbanas. Por muita ideia higienista que a burocracia de Bruxelas invente, penso que não se conseguirá impedir a continuação das feiras, a alegria das feiras, a balbúrdia, o movimento, a urbanidade dos espaços abertos percorridos por gente que vê, compra, dialoga, ri, apalpa, mexe, regateia, grita ou apenas se diverte. Na chamada Europa, na civilizada Alemanha ou na educada França, as feiras subsistem, têm uma enorme tradição e continuam, regulares, abastecedoras, orgulhosamente pujantes, ocupando as praças centrais ou secundárias em vários dias da semana, usando a cidade e pondo os seus habitantes a usá-la.

Mas Lisboa e Porto, por exemplo, não têm, nem (muitas) feiras, nas suas praças abertas, nem tão-pouco zonas luxuosas de comércio sólido, elegante, caro, em outras ruas deliciosas, momentos rápidos, olhando as montras, enquanto seguimos à procura do velho quiosque dos jornais. É só aquele comércio foleiro das lojas espanholas, dos «franchisings» de vestuário e alimentação, é só um progresso de anunciante de telemóvel, discussões estéreis sobre «topos de gama», performances de som ou «home cinema», as vantagens das marcas, um qualquer automóvel ou electrodoméstico. Portugal tem dos climas provavelmente mais estáveis e amenos de quantos existem nesta parte do mundo. E no entanto a paixão pelos sítios fechados, de ar climatizado e reciclado, parece ser enorme. Que «dopping» é este? Que vazio é este? Que modos são estes de passar os dias, as tardes, entre o cheiro a creolina dos corredores das casas de banho e os fritos das «praças da alimentação»? Que graça poderá ter um continuado «hamburguer» ao balcão, ao lado da rapariguinha que bebe o café comentando realidades de cabeleireira, face a uma sopa fumegante num tasco «real» e barulhento atrás da Feira da Ladra?

Uma cidade potente tem de tudo, oferece de tudo, experimenta tudo. Quem por enquanto só gostar de «shoppings» de periferia, por lá arrastará os «piercings» em busca de namorada nesse simulacros de espaço público, nessa tristeza sonâmbula de tardes de domingo em bichas na auto-estrada.

Mas existem outras coisas. Existem ruas (centros) comerciais a sério, com céu verdadeiro, com ar verdadeiro, com chuva ou neve verdadeira. E existem tendas e becos e mercados e explosões de fogo-de-artifício e vendedores ambulantes e produtos frescos e flores ou roupa directamente da fábrica, com defeito. E eléctricos e barcos e carros e passeios e árvores e escadarias a unir isto tudo.

A cidade é complexa, multifuncional, colorida, vária, arriscada, surpreendente. A imitação comercial, que tanto fascina a classe média, é só um sufoco «seguro»."

"as coisas no lugar certo"


Lisboa mais parece a América Latina inundada de tanta publicidade em "outdoors" que apenas polui a paisagem.

Um exemplo vivo disso é a vista de quem está na rotunda do Marquês para quem olha o Parque Eduardo VII, que tem uma barreira contínua de tanta publicidade em estacas, evitando assim que se aprecie a bonita vista do jardim.

Este anúncio da Câmara Municipal de Lisboa atreve-se a colocar numa das praças emblemáticas da cidade, no Camões, um anúncio que na caixa verde diz "as coisas no lugar certo"... é preciso não ter a noção.

janeiro 17, 2005

"confiança" de um viajante


Miguel Torga morreu há dez anos.
deixo assim a "confiança" como testemunho de um viajante:

o que é bonito neste mundo, e anima,
é ver que na vindima
de cada sonho
fica a cepa a sonhar outra aventura...
e que a doçura
que se não prova
se transfigura
numa doçura
muito mais pura
e muito mais nova...

tudo é para sempre


por Portugal, os Donna Maria são uma projecto com alma.

com registos electrónicos e contemporâneos, não dispensaram instrumentos tradicionais como a guitarra portuguesa e o acordeão.

o álbum tem a participação de duetos com Paulo de Carvalho, Vitorino ( "Lado A Lado", uma versão de um clássico popularizado por Tony de Matos), Pedro Luís e a Parede, Letícia Vasconcelos. conta ainda com a colaboração de Ciro Cruz (baixista de Gabriel O Pensador), Paulinho Moska (um dos mais conceituados compositores brasileiros, honrou os Donna Maria com uma belíssima canção) e Gil do Carmo (na declamação do poema que encerra o álbum).

um diamante em bruto.

janeiro 12, 2005

Portugal é feito de almas


falou e disse.

Portugal é feito de almas portuguesas e não... a culpa não é do governo...venham rosas ou laranjas, teremos sempre um papel a cumprir.

"Portugal, é tempo de te deixares de choradeiras, não achas? Esta conversa de crise, de futuro comprometido, do fim do Estado-Providência, já começa a enjoar. Já chega de lamentações patéticas, intercaladas por balofas exuberâncias. Está na altura, meu caro Portugal, de deixares de ter pena de ti mesmo, de largares o sofá da conversa, arregaçares as mangas e enfrentares a vida como ela é. As crises são para os homens.

Ninguém tem paciência para te aturar mais chorinquice. Aliás, tens de reconhecer, esta crise até nem foi nada de extraordinário. Não se justifica tanta lamúria. Confessa que ela foi mais uma ressaca que uma verdadeira depressão. Apanhaste um pifo de euforia e dívida, e agora dói-te a cabeça e tens de pagar os estragos.

Emborcaste grades de subsídios, apoios, benefícios, incentivos, sem reparar que é com o teu dinheiro que te dão isso. Gastaste anos com parvoíces, como o aborto e a regionalização; deitaste-te tarde a ver a ficção dos reality shows.

Depois admiras-te que os parceiros te passem à frente e não tenhas produtividade. Acreditaste nos que te falavam em reduções de horário de trabalho e salários europeus, sem ver que esses países os têm porque trabalham muito para o conseguir. Quiseste fazer estádios e andar nas ruas a abanar bandeirinhas.

Agora acordaste. Choras com a crise e temes pelo fim do desenvolvimento. Assustas-te com os chineses e pões luto pelos têxteis. Temes perante a globalização e desanimas com o atraso na convergência. Sentes-te desorientado e perdido.

É incrível como acreditaste mesmo a sério nos muitos que te diziam que tinhas direito a tudo, sem nunca te falarem nos deveres ou explicarem como se pagaria. Nem sequer suspeitaste quando os viste a espreitar para a tua carteira. Caíste que nem um pato na maior das ilusões, o Orçamento do Estado, que dá tudo a todos, desde que todos lhe dêem antes. Comeste um grande almoço e ficaste surpreendido com a conta.

Não sei se já te disseram, mas não há almoços grátis!

É incrível como voltas a dar ouvidos aos mesmos que agora te dizem que não tens capacidade de trabalho e espírito empresarial, que não suportas horários nem respeitas a disciplina. Então recomeça a choradeira, dos analistas de café à reportagem de jornal.

É incrível como voltas sempre às desculpas estafadas. O Governo é mau? Olha que novidade! Mas desde o D. Fernando são todos maus. E os poucos que foram bons, nunca o reconheceste; limitaste-te a ter saudades, depois de dizeres todo o mal que podias durante seu mandato.

Os tempos estão difíceis? Olha que espanto! Desde o Noé que não são fáceis. São os homens que fazem os tempos, sem esperarem por ajudas. A vida é dura? Vê lá a grande surpresa!

Deixa-te de mariquices e toca a andar! Está na hora de esqueceres as desculpas e demonstrares aos que falam que sabes fazer coisas úteis. Não esperes previsões favoráveis. Não contes com estratégias e políticas salvadoras. Está na altura de trabalhar e lançar projectos, poupar e investir, encontrar clientes e fazer bons produtos para lhes vender. Fazer aqui e agora, onde há oportunidades. Como puderes, como souberes. FAZ! Como sempre soubeste fazer.

Não por ti, meu caro Portugal, mas pelos portugueses. E deixa dar-te uma novidade não há cá mais ninguém. Só tu, Portugal, podes fazer o desenvolvimento português. Mais ninguém. Os outros falam. Tu ainda cá andarás depois de eles se calarem."

artigo da autoria de João César das Neves

janeiro 11, 2005

a biblioteca que veio do lixo


os funcionários dos serviços de lixo da região da Beira Baixa lembraram-se de separar os livros que são deitados pelas pessoas para os contentores de eco-pontos para papel e com esses livros fizeram uma biblioteca já com mais de 200 volumes, onde se contam o grande Camões, as farpas do Ramalho Ortigão, as viagens na minha terra do Garrett, as coisitas do Paulo Coelho, as páginas em busca do tempo perdido do Marcel Proust e muitos outros, entre os quais uma obra rara e muito valiosa, de 1854, uma tradução do maravilhoso poeta latino Virgílio.Ora bem, coisa mesmo maravilhosa é esta: uma biblioteca feita de livros que foram mandados para o lixo. Em vez de irem ter ao estrume do mundo e assim se perderem para sempre, esses livros continuam vivos e ainda prontos a transmitirem humanidade.
Carlos Oliveira Santos in DNa - 7 de Janeiro 2005

janeiro 10, 2005

regresso


de volta à minha cidade de brincar.

os gansos ainda nadam
e o sol
trouxe-o comigo.

janeiro 06, 2005

o dia de reis


somos sempre seres guiados por estrelas.
estrelas humanas que connosco percorrem também o caminho.

a imagem contempla o cenário idílico da vila de Sintra.